No dia em que o ID foi embora

Foi o Superego que achou o bilhete com apenas um "adeus" em cima da mesa. Criou um verdadeiro caos, chorou, chamou o ID de irresponsável, cabeça de vento e utopista incurável.

O Ego ao tomar conhecimento manteve a costumeira frieza e racionalidade de sempre. Tentou em vão acalmar o Superego, que agora de joelhos soluçava dizendo que o ID poderia se machucar, que não sabia nada da vida, que estaria perdido, blá, blá, blá... com os olhos já vermelhos e inchados e o nariz cheio de ranho.

- Quem sabe ele volta. Mentiu o Ego na esperança de que o drama terminasse.

Mas a verdade é que o ID nunca mais voltou e com isso algumas mudanças aconteceram. Os desejos compulsivos que só traziam prejuízos financeiros e culpa nunca mais apareceram. Comia-se por fome simplesmente e não pelo salivar por uma picanha na brasa, cheirosa e suculenta.

As roupas, sapatos e acessórios eram adquiridos conforme a necessidade de uso, ou desgaste pelo mesmo.

As decisões precipitadas pereceram e agora qualquer coisa era friamente calculada pelo Ego e checada duas vezes por precaução e medida de segurança pelo Superego.

Os amores e paixões avassaladorassucumbiram no dia em que o ID jogou a mochila nas costas e caiu no mundo. Havia uma certa "paz" entre os dois sobreviventes: nada de ciúme, cegueira amorosa, ou discussões... Os relacionamentos eram baseados no controle emocional, na racionalidade e na estabilidade de caráter. O Ego media as proporções das canditadas milimetricamente seguindo o modelo de beleza de Da Vinci, enquanto o Superego levantava a ficha policial e familiar para ter certeza de que estava tudo nos conformes.

E naquele ambiente "certinho", cheio de regras, normas e padrões, Ego e Superego conviviam bem, mas não viveram felizes para sempre, pois encontravam uma certa dificuldade em alcançar a perfeição absoluta. Fora que, toda a noite antes de dormir, os dois suspiravam imaginando em que aventuras irresponsáveis e extravagantes o ID estaria se metendo.