"Aqui me tornei, pouco a pouco, num gênero de especialista do silêncio, melhor diria: dos silêncios. Com todo o meu corpo tenso como grande orelha, aprecio a qualidade particular do silêncio em que me banho.
Há silêncios aéreos e perfumados como noites de junho na inglaterra, outros têm consistência glauca do lameiro, outros, ainda são duros e sonoros como o ébano. Até chego a sondar a profundidade sepulcral do silêncio noturno da gruta com uma volúpia vagamenta nauseada que me inspira certa inquietação. Já durante o dia, não tenho para me prender à vida uma mulher, filhos, amigos, inimigos, criados, clientes, que são outras tantas âncoras fincadas à terra.
Porque será ainda necessário que, no coração da noite, me deixe para cúmulo afundar tão longe e tão profundo no escuro? Talvez aconteça um dia que eu desapareça sem rastro, aspirado pelo nada que terei feito nascer a minha volta. "
Michel Tournier - Sexta-feira ou os limbos do pacífico. log-book, pg. 75